Poesia
Gastei uma hora pensando um verso
Que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo.
Ele está cá dentro e não quer sair.
Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira...
( Carlos Drummond de Andrade)
A Literatura é uma arte verbal - o seu meio de expressão é a palavra. O uso da palavra não é privilégio do escritor, pois ela serve como forma de comunicação para todas as pessoas.
No entanto há uma diferença entre a linguagem literária e a linguagem usada na comunicação diária; essa diferença reside no trabalho pessoal e criativo do escritor durante a elabração de seus textos, de modo a fazer com que as palavras por ele utilizadas ganhem outros significados, além daqueles que normalmente possuem.
Esses novos significados não são antecipadamente explicados pelo autor, ao contrário, devem ser descobertos pelo leitor, num processo ativo de decodificação do texto. Por isso, o nível de compreensão de uma obra depende do leitor, da sua familiaridade com a literatura, de sua bagagem cultural.
Podemos utilizar 2 exemplos:
Veja o significado das palavras : Noite e Aurora num dicionário:
Noite :
s. f.
1. Tempo compreendido entre o crepúsculo vespertino e o matutino.
2. Noitada.
3. Fig. Escuridão; obscuridade
Aurora: s. f.
1. Parte do dia que precede o nascer do Sol. = alva, alvorada, antemanhã, dilúculo, madrugada
Agora reflita sobre o significado que as palavras noite e aurora adquirem neste poema de Carlos Drummond de Andrade:
À Noite Dissolve os Homens
A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.
A noite desceu.
Nas casas, nas ruas onde se combate, nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho na noite.
A noite é mortal, completa, sem reticências, a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer, a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo...
O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.
Aurora, entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam, os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.
Perceba que os substantivos noite e aurora adquirem, no poema, sentidos que não estão mencionados nos verbetes do dicionário...vamos atribuindo outros sentidos a medida que cmpreendemos contexto em que elas se encaixam.
Vemos, então, que trabalho do poeta consistiu em explorar as potencialidades da linguagem. Através desse exemplo podemos conhecer uma caracteristica importante da linguagem literária : A conotação.